Opinião

O agro é a riqueza do Brasil?

Por Flávio Sacco dos Anjos
Professor do Programa de Pós-Graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar da UFPel

Foi em 2016 que a mais importante rede de televisão do Brasil produziu uma portentosa peça publicitária centrada em exaltar as virtudes do agronegócio nacional. O termo (agronegócio) foi cunhado nos EUA, durante a década de 1950, por Davis & Goldberg, no afã de mostrar a necessidade de computar a riqueza que é produzida aquém e além da porteira. Uma agropecuária moderna torna-se um mercado consumidor de insumos (máquinas, adubos, serviços, etc.) e os produtos por ela gerados são transformados pelas empresas de processamento. É com base nessa ideia que se construiu uma metodologia empregada pelas organizações patronais do País, segundo a qual, entre 1996 e 2022, a participação do agro no PIB brasileiro corresponderia a 26%.

Os dados do IBGE não confirmam isso. É que, segundo esta fonte, tal participação foi em média 5,4% entre os 2002 e 2018. Consta também, segundo estudo recente realizado com o apoio do Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA) dados estarrecedores sobre a concentração da terra no Brasil. Uma parcela ínfima (10%) dos maiores imóveis concentra 73% da área agrícola, enquanto os 90% restantes ocupam apenas 27%. Entrementes, a agricultura familiar compreende 76,8% do total de estabelecimentos, ocupando escassos 23% da área, segundo o último censo agropecuário (IBGE, 2017). Apesar disso a parcela familiar de nossa agricultura gera 23% do valor da produção agropecuária, ocupando mais de 2/3 da mão de obra rural.

O modelo produtivo dominante no País se baseia no uso intensivo de agrotóxicos e está associado ao desmatamento de áreas de preservação e em práticas lesivas à conservação dos solos. O assoreamento dos rios impede que as águas copiosas das chuvas fluam em direção ao mar. Estamos colhendo hoje o que plantamos durante os últimos 40 anos. Resulta curioso que a Confederação Nacional de Agricultura tenha recentemente feito a doação de dois milhões de reais para as vítimas da enchente do RS. Não seria mais lógico que enviasse alimentos, sendo ela uma organização da agricultura? O problema é que há muito o agro deixou de produzir comida. Sua vocação está longe disso. E olha que há pouco tempo se dizia que “fome se combate com agricultura forte”. Há tempos o agronegócio se vale de isenções fiscais (lei Kandir), perdões de dívidas bilionárias e de amplos subsídios da política de crédito oficial. A glacial indiferença frente aos fatos e a distorção da realidade nos levarão à catástrofe. Hora de fazer novas contas.​

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